OS IRMÃOS CORDEIRO: OS PIONEIROS DA ERA RODOVIÁRIA BONFINENSE


Menino, ainda, na década de sessenta, ouvi e vi chegarem a Senhor do Bonfim, várias vezes, os irmãos Cordeiro, em seus vistosos caminhões. Chegavam à cidade, quer pela Rua Barão do Cotegipe (vindos de Salvador ou da Rio-Bahia), quer pela Rua Visconde do Rio Branco (vindos de Juazeiro e do Nordeste) com muita buzina, muito barulho, despertando da costumeira letargia a então pacata e silenciosa Senhor do Bonfim. Suas buzinas eram diferentes, musicais, e não havia quem não saísse à janela ou à porta gritando: “Zé Cordeiro e Enéas Cordeiro!” As músicas tocadas eram geralmente de Luis Gonzaga, “Asa Branca” e “Acauã” eram as preferidas dos irmãos motoristas. Acauã era a música predileta, pois trazia na melodia e na letra a alma nordestina cortada pelas rodas dos seus caminhões Ford, enquanto ajudava a manter o clima viajeiro de saudade:

“Acauã, acauã vive cantando
Durante o tempo do verão
No silêncio das tardes agourando
Chamando a seca pro sertão
Chamando a seca pro sertão
Acauã,
Acauã,
Teu canto é penoso e faz medo
Te cala acauã,
Que é pra chuva voltar cedo
Que é pra chuva voltar cedo
Toda noite no sertão
Canta o João Corta-Pau
A coruja, mãe da lua
A peitica e o bacurau
Na alegria do inverno
Canta sapo, gia e rã
Mas na tristeza da seca
Só se ouve acauã
Só se ouve acauã
Acauã, Acauã... “

Interessante, e poucos sabem, é que os irmãos motoristas que povoaram o nosso imaginário bonfinense ao longo de boas décadas, embora chamados de “Cordeiro”, não possuíam este sobrenome em seus documentos. Eles eram “José Cupertino de Andrade”, nascido aos 18 de setembro de 1922 e “Enéas Carlos de Andrade”, nascido aos 04 de novembro de 1925. O sobrenome Cordeiro lhes foi dado em Campo Formoso, onde trabalharam em seu inicio profissional, pelo fato de serem identificados como “sobrinhos do Major Cordeiro”. Daí a se chamarem José Cordeiro e Enéas Cordeiro foi um pulo.


José Cordeiro, até pouco tempo, freqüentava o calçadão, lúcido, e faleceu no último dia 04 de abril, desfazendo assim a velha e bela dupla rodoviária bonfinense. Enéas Cordeiro se mostra forte em seus oitenta e nove anos, embora abalado pela perda do irmão e companheiro. Em uma casa simples mas bem cuidada da Rua Júlio Silva, número 56, Enéas fixa em seu olhar o infinito, ao tempo em que tenta trazer para o presente uma vida marcada pelo movimento: “quem conhece o Brasil sou eu”... “estradas terríveis, ruins, muita estrada de chão... às vezes se demoravam horas para se sair de uma cidade a outra...”


Geralmente levando e trazendo produtos, contratados por Chico Filgueira, João Conceição, Zé de Jovino, Aurino da Bonfinense, Antonio do Rubem, Zeca Bonfim e outros, os Irmãos Cordeiro foram em nossa terra os “Pioneiros da Rodagem”. Entendemos “rodagem” como as estradas que antecederam um Brasil não asfaltado. Faríamos justiça se disséssemos que eles desbravaram os mundos que nós sabíamos que havia mas não conhecíamos, a não ser pelo imaginário, os mundos que estavam longe de nós e que só eram alcançados pelas quatro rodas de seus zelados, vistosos e atraentes caminhões, que provocavam os suspiros de muitas mulheres e a vibração de muitas crianças.

Conversando com o sempre amigo Hélio Freitas, memória viva desta terra, ele nos lembrava: “Os Irmãos Cordeiro inauguraram a era das rodovias, e tinham como marca as suas conhecidas buzinas musicais, lembrando-nos a era da estrada de ferro em que reconhecíamos os maquinistas pela forma de entrarem na cidade com seus apitos peculiares. Sabíamos se era João Honorato ou Agenor o maquinista, pelo apito do trem”.

Senhor do Bonfim precisa manter vivas estas páginas memoráveis de um passado que ainda resiste às transformações que vem experimentando na contemporaneidade. Nessas páginas, sem dúvida, Zé Cordeiro e Enéas Cordeiro escreveram uma história que não pode desaparecer da Memória da cidade e da Bahia.


Paulo Machado
Senhor do Bonfim, 24 de abril de 2014.
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