ARTIGO: DETENTO RELATA COTIDIANO DE UM ENCARCERADO

13 DE Agosto: Dia do Encarcerado

Oi? Eu queria conversar com você: é que, eu não tenho muitas pessoas pra conversar – e, quando converso, as pessoas não me ouvem: elas se cansam logo – eu não sei por quê: talvez, onde, digo, moro, e moro lá a cerca de 2,6 anos, seja eu como que um alienígena – sinto que não sou compreendido, que sou prolixo no meu falar, e que as pessoas não acreditam no que eu acredito e, assim, tenho que, na maioria das vezes, me calar, me isolar: ficar mudo e ouvir – sinto que as pessoas, algumas se aborrecem pelo fato, até mesmo, de me verem, apenas eu indo pra biblioteca, eu na sala de aula, pela manhã e a tarde, nos outros momentos, me vêem lendo ou escrevendo: se incomodam até mesmo porque, às madrugadas, acordo pra escrever!

Um “amigo”, colega de “apartamento” (leia= cela”), uma vez, como que incomodado, desabafou comigo: disse que eu estava ficando doido, - que não era normal alguém acordar á madrugada para escrever, alguém ser muito calado e viver apenas à companhia dos livros, lendo e escrevendo; alguém que não gosta de jogar bola, de fazer brincadeiras (aqui, entenda, “comediar” com os outros – ou ser comediado, que é quando alguém faz piadas jocosas, imorais e insípidas, pra que você se torne motivo de gracejo e “comédia” para os espectadores): enfim que minha vida não era normal, que eu ia ficar doido!

Eu até tentei conversar com este “amigo”, mas, logo percebi que ele não estava disposto a ouvir e, assim, eu desisti de conversar com ele!

- Eu gostaria que você, aí do outro lado, estivesse me ouvindo: é que não tenho amigos pra conversar – eu, às vezes, quero desabafar, falar, mas não sou compreendido: você me compreende? Você está me ouvindo?


Eu não sei se você me ouvindo, já sentou-se à cadeira “dos réus” – seja em uma audiência pública, com a presença do juiz e do promotor, seja na audiência da “consciência”, com a presença de Deus e de Satanás: a impressão é que Deus não está ali presente, te ouvindo, é que só, e apenas só, satanás esta atento ao que você fala – é como se assim fosse, não porque este último se importa e o outro não se importasse: mas é porque, no tribunal da consci~encia, na maioria das vezes, somos culpados e não temos coragem de “encarar” deus, e, então, só vemos e ouvimos satanás a acusar, a apontar quem somos e ao somos capazes – no tribunal da consciência, ocorre que, quando ela diz que estamos errados, é porque algo fizemos de errados e somos culpados: e pra apimentar, satanás quer-nos fazer mais culpados ainda! E, por estarmos desconfortáveis, achamos que Deus está “cochilando”, sem se importar – esta não é a verdade: este tribunal, universal, é palco de uma luta, um caminho pra nos emendarmos, para nos corrigirmos – e, Deus, ali presente, esta interessado que reconheçamos nossos erros, nosso pecado: para que sejamos vitoriosos, e triunfemos ante a fraqueza, ante o pecado, frente a satanás!

No tribunal humano, ocorre um pouco diferente: eu já me senti no banco dos réus, em três audiências – e, “inocente” da maldade humana e convicto de que ali interessava era a verdade (e eu jamais a abandonei), me enganei: eles se fizeram de surdos, eles não se importavam – taparam os ouvidos, se “alienaram”, ali, pois já estavam “convictos” (entenda=”cegos”) de que estavam com a pessoa certa para sacrificar, humilhar, penalizar e “fazer justiça”: eu, “inocente” – e, inocente, ali, em silêncio, sem poder falar, porque, no único momento que pude falar, pra me defender, levantei a bandeira da verdade, e ela nem foi “vista” – não foi notada e, se foi, foi desprezada, ignorada, e maculada pela “pena” e “tinta” do juiz, com os auspícios da “promotora de justiça”...

Ei? Você ainda esta me ouvindo? Não vá embora – é que eu queria saber se você sabe que no dia treze deste mês é o “dia do encarcerado”? você sabia?

Olha, eu não sabia há muito tempo – descobri esta semana: talvez porque esta data nunca me preocupou, nunca me chamou a atenção, ou até mesmo porque eu quis ignorar – não fazia parte da minha agenda: enfim, não me interessava e, por isso, “eu não quis ouvir”!

Agora, eu tenho não apenas que “ouvir”, mas até mesmo, e principalmente, que conviver – eu sou um encarcerado, eu sou um presidiário!

Mas, há algumas coisas que eu não entendo – é que, ou eu sou muito simples, ou eu sou muito sofisticado: mas, para mim, as palavras que usamos ou registramos (pelo menos no meu caso) são escolhidas, buriladas, selecionadas – pois eu acredito que para um bom entendimento, para que haja “diálogo”, as palavras corretas, a enunciação própria do mais correto possível, é um caminho que ajuda a sermos entendidos e “ouvidos”!

Porque digo isto? Deixem-me tentar explicar: dia treze, é o “dia do encarcerado” – vejam bem: não menciona que seja o dia do “presidiário” – mas que é o dia do encarcerado: é possível que eu esteja sendo preconceituoso (e pretensioso?) – talvez, e eu não sei, e não sei se quero “ouvir”: quem instituiu esta data no calendário oficial da nossa nação, quis ser “abrangente” – assim, querendo ser generoso, não quis causar impacto: preferiu “amenizar” a intenção, escolhendo um termo que fosse abrangente, “leve”, e que denotasse piedade e, de certa forma, um termo carregado de sentimento fraternal, carismático e piedoso!

Ainda está aí? Preciso que me ouça até o final – estou falando é que há outro termo: mas, este outro termo é carregado (nós, com nossos preconceitos, é que o “carregamos”) de significado pejorativo: é o termo “presidiário”!

Talvez eu esteja sendo maldoso em minha reflexão – mas uma vez peço que me ouça até o final: preciso ajudar aqueles que instituíram esta data (não quero ser prolixo, me ouçam, por favor!) – o termo “encarcerado”, é muito (mas uma vez) abrangente: inclui os albergados, inclui os hospitalizados (é o que acredito), inclui os marginalizados, inclui os residentes em “cracolândias”, inclui os “exilados”, inclui até mesmo os “prisioneiros de satanás”! E, acredite, inclui também os presidiários (ou não?)!

Então, como presidiário que sou, vou me sentir, aqui, incluído como sendo o meu dia! Assim, agradeço pela “lembrança”!

Mas, já ia me esquecendo: porque a lembrança? Porque o interesse de lembrar de registrar este dia – qual seja, “dia do encarcerado” (e, eu leio, “dia do presidiário”)? – e um ato de hipocrisia institucionalizado?

Ainda esta semana, aqui no presídio, assisti a uma cena dolorosa, daquelas que costumamos dizer: “se não fosse trágico, seria cômico” – mas que é mais forçoso dizer: ‘cômico para nós e trágico para ele’ – é que, um detento (olha o meu preconceito: é um “presidiário”) – ou, agora, estou sendo preconceituoso?), após alguns muitos anos na cadeia, esquecido pela justiça, esquecido pelos amigos, foi “esquecido” pela esposa (aqui com o termo esquecido, quero dizer ‘abandonado”), ele não quis aceitar que estava esquecido: e, então, ele tentou atravessar o “raio”!

Vou explicar: ele estava em um “apartamento” no “raio b” (onde “estou presidiário”, também): tendo as visitas da esposa interrompidas, por interesse dela – ela mandou avisar que não iria mais vê-lo, que iria viver a vida dela, que não agüentava mais a vida de “esposa de presidiário”: mas, o pior do que este pior, que foi ser abandonado, estava para vir – ele soube que sua esposa (ou ex esposa?) estava “visitando” o “raio a”: o outro pavilhão, de “presidiários”, separado do nosso “pavilhão”, apenas por um portão – assim, quando os de lá querem passar para cá (por vontade ou forçosamente) e, os de lá, passam para cá, dizemos: “atravessar o portão” (é o jargão carcerário, quero dizer, me desculpem ‘presidiário”!)...

Assim, este jovem, quis “atravessar o portão” – sim! Ele soube que a ex mulher (ou mulher?) estava indo visitar um “amigo” no “pavilhão a”! Isto muito o incomodou – disseram que ele disse que queria ver, mesmo em companhia do seu “amigo” 9digo, amigo dela: daquele “amigo da onça”!).

E, então, atravessou o portão – mas, lá, não foi bem recebido: e nem aceito – não chegou nem a entrar no “raio a”, e teve que retornar: e, quando retornou pro “raio b”, seu antigo “domicílio”, foi “comediado” – mas, a desilusão, a dor, o sentimento de perder e abandono, foi percebido pelo seu retorno e patenteado pelo seu choro; e, porque não dizer, lembrado pelos gritos e “vaias” com que foi forçosamente “recebido” de volta!

Este é o cotidiano da maioria dos presidiários que, abandonados pelos familiares, reféns do sistema judiciário e carcerário do Brasil, “mofam na cadeia”, pagam pelas injustiças, “além da conta”, porque são, mesmo sendo a “escória da sociedade”, o “supra – sumo” da validade: eles tem valor para alguém – custam cerca de 40 mil reais aos cofres públicos, por ano (um aluno, do ensino médio, no Brasil, custa em média 13 mil reais, aos cofres públicos, por ano!): são “refugos’ de mercadorias que custam mais (cerca de 2/3 a mais!) que um dos nossos jovens estudantes!
Por isso, “somos” esquecidos pela maioria e valorizados por uma (ínfima!) minoria de “interessados” no valor de mercado de um presidiário (desculpa: mais uma vez o meu preconceito, eu quis dizer “encarcerado”).

Assim, por nós, digo, por vocês (na realidade, não sei mais por quem!) são estes lembrados no dia 13 de agosto – data próxima ao “dia dos pais”: uma data, esta última, muito lembrada, como que num jogo de esperteza, para ofuscar a lembrança turva e “embaraçada” da outra, qual seja: do “dia do encarcerado” – mas que, quem iria lembrar mesmo dos encarcerados, quando devemos focalizar no dia dos pais?

Bem, talvez nem mesmo o próprio encarcerado...


Por CSSantos em 05/08/2013
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