CARTA ABERTA DE UM DETENTO

Carta – aberta


“Pergunto a quem puder me responder”

Eu tenho dúvidas! Sim, e muitas – E me perseguem. Elas me atormentam. Mas, elas são bem vindas, pois, Por elas, eu encontro caminhos; com elas, eu avanço – Eu me conheço e passo a conhecer o outro.

Mas, agora, aqui, não quero dissecar as minhas dúvidas: Eu quero falar apenas de uma dúvida. É eu não consigo me desvencilhar dela sozinho!

Então, peço ajuda: Peço a sua ajuda – Não para compartilharem comigo as angústias que, me sobrecarregam, fruto de minhas dúvidas. Não! O que quero é compartilhar caminhos em que, juntos, eu e você, possamos tecer – um caminho lógico, justo e benéfico à alma humana, À medida que propomos juntos, caminhos para resolver a minha dúvida.

Não é que quero que seja também a sua dúvida- Não! A solução, Sim. Quero que seja nossa. Assim, Eu, como um tipo de bode expiatório – É o que sou hoje – Possa, voluntariamente, sem um paradigma para a cura de muitos outros que, enredados de contradições que se nos impõe – e que nos impõe – Possa ser libertos!

Quer me ajudar? Querem nos ajudar? Pois bem. Mas, antes de falar de minha dúvida, eu quero contar uma história:

Fui preso no dia 11 de janeiro de 2011. Antes desta data, eu havia visto minhas únicas filhas, ambas, na data, 03 e 05 anos respectivamente, há cerca de sete meses, antes daquela data, isto é, em maio de 2010 – foi a ultima data que as vi.

Depois desta data, não as vi mais. Elas já estavam morando no Estado do Espírito Santo e, eu, no interior do Estado da Bahia.

Marquei para ir vê-las, mesmo com poucos recursos, em dezembro de 2010. E fui: viajei cerca de 1.300 km. Chequei ao destino num final de semana. Mas só poderia ficar uma semana – deveria ir embora antes do final da outra semana.

Mas, a decepção: não pude ver as crianças! Fiquei cerca de 3k de distância das minhas filhas – Só 3 km! Mas, não as vi! Eu queria. Eu estava com medo. Elas já não viviam comigo – mas era tudo o que eu mais queria!

Eu entendo a mãe delas – a minha preciosa amiga, Rafaela– minha companheira, esposa, por 14 anos não me permitiu – Sim, eu entendo. Sei por experiência que havia motivos para ela me impedir de vê-las. E eu sempre respeitei as opiniões dela. Eu nunca quis vê-la sofrer, ou que ela sofresse. Ela sempre foi e até hoje tem sido e sempre será a minha melhor amiga – apesar de, há cerca de um ano ela não mais falar comigo: silenciou...

Eu não a censuro – ela sofreu. Ela ta sofrendo. Eu a fiz sofrer. Não foi minha intenção.

Minha intenção era “nos libertarmos” para vivermos nossas vidas – mas deu tudo errado!

Como antes eu dizia, ela apresentou um motivo para me proibir de ver as crianças: era que eu estava ali, solteiro, e só queria “desfilar” com as minhas princesas, meus “troféus” – mas eu as havia abandonado e não permitiria que eu me estribasse no sofrimento delas, que eu esnobasse do sofrimento delas. Eu implorei e justifiquei que não era isto. E até mesmo, eu precisava muito conversar com ela, pois precisávamos ser amigos, para ajudarmos nossas filhas – aquele foi o argumento dela; e este foi o meu contra-argumento: de que eu sou pai e precisava vê-las e me aproximar delas.

Mas havia um segundo motivo velado – mas não era velado. Quem conhecia nossa história, sabia bem – o motivo estava relacionado ao pai dela, o meu ex sogro: de quem gosto muito, mas quanto a eu ver as crianças, a Raf tinha medo do pai, pois estava magoado comigo e tinha motivo para isso, eu havia abandonado a sua filha e netas– ela não sabia como fazer para justificar a família que eu estava ali para ver as minhas filhas: ela estava morando com os pais e eu não podia ir até lá ver e pegar as crianças. E ela não poderia ir me levar às crianças – os pais dela não sabiam que eu estava ali tão próximo: para ver as crianças e conversar com a Raf! Ela não contou a seus pais – ela estava com medo.

Um dia antes de eu ir embora, ela me ligou e disse que eu poderia pegar e ficar com as crianças.

Mas, era só um dia, pois, no outro dia, eu já iria embora!

__ Ela teve a coragem: deve ter falado aos pais, ou tomado a decisão sozinha e assumido os riscos.

Mas não deu certo! – combinamos que eu não veria as crianças: só por um dia, poderia trazer transtornos maiores para elas. Mas combinamos que eu retornaria em janeiro e, então, ficaria mais tempo no Espírito Santo, com as crianças – entre janeiro e fevereiro de 2011!

Retornei a Bahia, a minha casa, no interior, em 24 de dezembro de 2010, para não mais retornar ao Espírito Santo!

Não que eu não quisesse, mas porque fui preso, quando estava fazendo compras, no dia 11 de janeiro de 2011! – dia antes de ir para o Espírito Santo, conforme o planejado!

A dor de não ter visto as minhas filhas, a cada dia, aperta meu coração, até hoje, desde aquela data – dezembro de 2010!

Isto, porque, daquela data a te hoje, jamais pude falar ou ver as minhas filhas – isto já faz 3,1 anos!!!

Hoje, minhas princesas, que, antes, tinham 03 e 05 anos, já estão com 06 e 08 anos, respectivamente.

A maior acredita que um dia voltarei para elas – espera a minha volta! Mas, a menor não sabe mais quem é o pai dela – isto me desespera... Dilacera o meu coração.

E tudo porque fui acusado de ter cometido um crime que nunca cometi – de ter estuprado uma menina de 14 anos: nunca toquei nesta menina, nunca lhe falei mal ou bem! – mas fui sentenciado e condenado a uma pena privativa de liberdade de 10,6 anos: em regime fechado!

Soubemos que ela e a família dela foram ameaçadas para manterem esta versão. Não conseguimos provar minha inocência, muito embora tudo estivesse ao meu favor, mas nem mesmo as testemunhas mais importantes foram levadas em consideração e o exame que deveria ter sido feito, não foi. Ainda não conseguimos provar minha inocência!

Mas, um dia, acreditamos isto será elucidado. Esta jovem vai crescer constituir família e não suportará, em sua alma, a dor, de não ter feito a justa justiça, e quem sabe falará a verdade – de que colocou atrás das grades um inocente, estragou, arruinou e macular não apenas a vida de um inocente, mas destruiu uma família, e lançou uma dor quase insuportável, incluindo crianças! – Criou ela uma situação em que um pai, eu, fui impedido de ver suas filhas, infantes, crescer; e estão crescendo sem a presença do pai: o mal que ela causou, engendrou, criou, alimentou vai destrui-la inteiramente, consumindo-a, qual câncer. – e eu peço a DEUS que ela fale a verdade, para que seja feita justiça a ela e a mim e tenha uma vida próspera: não tenho ódio. E a “cadeia” não me tornou mal – pelo contrário, me fez bem: amadureceu-me, me trouxe vida.

Esta era a história que eu queria contar, para que, você do outro lado, me ajudasse com a minha dúvida:

Há cerca de um mês, me foi trazido fotos recentes de minhas filhas, por meus familiares, para o presídio, para que eu as visse – pelo menos em foto, já que elas moram muito longe, em outro Estado: eu só precisava contemplá-las, em duas ou três fotos, não mais – eu só queria ver elas crescidas. Eu só queria me “orgulhar” de ver as minhas filhas, eu só queria chorar ao ver as fotos de minhas filhas – eu só queria imaginar vê-las feliz, muito embora estejam sofrendo: mas eu precisava fantasiar. Eu só queria sentir e perceber que estão bem e protegidas – mesmo que fantasiando, pois eu sei que elas não podem estar bem, com o pai preso, injustamente; Isto era apenas o que eu queria!

Mas as fotos não foram autorizadas a chegarem até meus olhos!!!

Eu não pude fantasiar o “bem estar” de minhas filhas. Eu não pude chorar, vendo minhas filhas por fotos, crescidas, numa imagem de papel – até isto tiraram de mim! Eu não pude e eu não poderei.

Mas por quê?

Sim! Porque os agentes penitenciários, quando quiseram mostrar a primeira missa no “raio”, realizado pela pastoral (temos muito apreço, carinho, e respeito por esse grupo de DEUS), como que para promover pessoas ou interesses gerenciais pessoais ou de grupos (não a pastoral), entram no raio, “descabriados”, e tiram várias fotos, sem pedir nossa autorização, individualmente, da imagem pessoal de cada um que aparecer na foto, e os divulga na mídia?

Por quê?

Porque eu não pude ver as fotos das minhas filhas? Porque a sociedade tem que ver por fotos, para insuflar (se esse é um dos motivos) o ego de alguns administradores ou serviços públicos??!

E, minha dúvida ante esta cruel situação não é essa – na semana passada, veio um pastor ao raio e fez um culto, com a sua equipe: não estava programado para nós o recebermos. Não que não sejam bem vindos! – todos aqui são bem vindos!

Mas, acontece que o pastor focalizou, em cerca de 1h, suas viagens “internacionais” e “missionárias”, por vários países ao Oriente Médio, Europa e África – enfatizando suas façanhas, focalizando seus “lauréis”, suas alegrias e conquistas.

Mas, vejam o absurdo: uma das suas assistentes, com uma câmera fotográfica, filmou todo o movimento – registrou nossa imagem, em áudio e vídeo, e em imagens (fotos). E, eu não tenho dúvidas (quanto a isto), promover a imagem de uma “Institucional”, e a imagem personalística de um líder – religioso e político: tiraram e vão levar nossa imagem, sem pedir a nossa autorização, formalmente...

E, agora, enfim, a minha dúvida:

Por que as fotos de minhas filhas, agora já crescidas, não puderam chegar a mim?

Por que nossas famílias não podem trazer máquinas fotográficas e filmar nossas imagens (damos livremente nossa autorização), e mostrar à sociedade como é o nosso “infernal” dia a dia? – não é a cadeia que seja absurdamente infernal, mas o que nos proporcionam nela, ou melhor, o que nos deixam de proporcionar, de direito!

E mais dúvidas (a mesma, correlacionada): porque não podemos nos momentos com as famílias, para que a dor dos presos e dos nossos familiares possa ser amenizada, quando os momentos serão registrados?

Esta é a minha dúvida – uma questão simples, que, resolvida, pode aliviar-me de um grande jugo.

Você aí? Pode me ajudar???

CSSilva interno do Conjunto penal de Juazeiro 13/06/2013

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