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Peu, meu querido
afilhado |
Emocionei-me ao retornar a
Bonfim
depois de quase sete anos. Tenho boas lembranças desta região. Participei, como
trabalho voluntário, durante quatro anos, no
Instituto de Teologia e
Pastoral de Bonfim -ITEPAB- da construção do projeto e da aprovação pelo
MEC, do curso
Superior de Teologia e Pastoral, pertencente à Diocese. Foi
trabalho e aprendizado, humano e intelectual, com pessoas inesquecíveis,
coordenadas pelo
Pe. Ramón Cazalas Serrano, espanhol que hoje mora em
Portugal. Deixei raízes neste lugar.
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Minha querida
Zoraide |
Vim agora para reencontrar meus
quatro afilhados - pena que somente dois ainda residem aqui. Encontro-os
crescidos, bem formados, maravilhosas pessoas. Pedro Paulo, o
Peu,
publicou um belo livro de poesias ; Jânio está concluindo o terceiro colegial.
Jantei na casa de minha amiga Zoraide, que reuniu seus familiares, meus
afilhados e alguns amigos. Conversamos muito. Relembramos história vividas por
nós, pelo Pe. Ramón e pelos meninos do Seminário, onde eu me hospedava quando
vinha trabalhar.
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Típica paisagem do
semiárido |
Rimos ao recordar uma
Romaria da Terra,
em 2004, com seis mil pessoas que percorreram, sob sol escaldante e terra
seca e árida, mais de cinco quilômetros. Eu, sem experiência de sertão, sem
chepéu e sem bloqueador solar, num vermelhão que tornava pálido o mais robusto
camarão, passei mal e fui socorrida por uma senhora na entrada da cidade onde
findava a Romária. Tinha febre, dores fortes pelo corpo e vomitava muito.
Desidratação. Fui salva pela pela
batida de polpa e água do coco.
Procurei fazer, naquele dia,com que o
mico fosse
um mico discreto.
Impossível. Dormi e acordei quando a dona da casa fazia relatos do meu estado de
saúde para amigos meus e curiosos.
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Bode para venda na feira de
Bonfim |
Senhor do Bonfim , localizado no semiárido, a
360 km de Salvador e a 110 km de Juazeiro- cidade que divide Bahia e Pernambuco-
tem hoje 75 mil habitantes e a segunda maior feira do Nordeste - a maior é a de
Caruaru. Nos sábados, essa feira é uma festa. Pode-se, entre outras coisas,
comprar frutas, verduras, legumes, flores e árvores, cerâmicas, roupas, sapatos,
redes, galinhas mortas e galinhas vivas, bodes vivos e bodes em pedaços ,
artesanato em couro e em madeira; pode-se ouvir o genuíno forró e as músicas de
Luís Gonzaga, que está completando seu centenário.
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Feira de Bonfim no
sábado |
A história de Senhor do Bonfim está relacionada
à busca de ouro e pedras preciosas e à introdução da criação de gado no sertão
baiano. Ainda no século XVI, portugueses pertencentes à
Casa da Torre
organizaram expedições com destino ao rio
São Francisco e às minas de
ouro de
Jacobina, iniciando a ocupação do interior da província e a
formação de canais de comunicação com o litoral. A zona de passagem dessas
expedições, com suas rancharias, possibilitou a fixação de vaqueiros,
bandeirantes e desbravadores. Foi em 1750, que se estabeleceu o núcleo que deu
origem à cidade.
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Na feira, esperando o
dono... |
Bonfim tem a maior e mais tradicional festa
de
São João, na Bahia. Considerada
Capital do Forró, o
São
João dura em torno de cinco dias ( contam que o atual prefeito perdeu a
eleição porque a diminuiu para três dias ) e começa na rodoviária, onde chegam
centenas de ônibus de todo o estado, e as pessoas são recebidas com música -
gaita, pandeiro, triângulo e voz. A primeira vez que lá cheguei, ri sozinha,
entre surpresa e encantamento com a animação. O povo amanhece - e passa o dia -
dançando e cantando.
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Forrozinho na feira de
sábado |
Senhor do Bonfim preserva características
tradicionais, como trios de sanfoneiros, quadrilhas, bandas de pífanos e
alvoradas juninas, quando multidões dançam pelas ruas durante as
madrugadas. Mais tradicional, entretanto , é a
guerra de espadas - bambus
cheios de pólvora . A guerra é realizada em área determinadas, as casas recebem
proteção especial, as luzes são apagadas e as pessoas que brincam com as espadas
precisam usar capacetes. Embora me dê medo, é um belo espetáculo. Por
indescritível, indico um vídeo onde esse espetáculo pode ser visto:
http://www.youtube.com/watch?v=L41vOxvx-UQ
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Jânio, meu afilhado, meu marido
e meu compadre |
Não é fácil morar no
sertão. Como escreveu Euclides da Cunha,
o sertanejo é, antes de tudo,um
forte.Quem nunca palmilhou a terra seca e árida dificilmente o
entenderá. Paradoxalmente, é , no entanto, o povo mais doce e generoso que eu
conheço. Dizem que o sol do sertão desperta a doçura das frutas e a coragem de
viver. Acredito que desperta também a doçura das gentes.
Do livro
Vivências e
Utopias, escrito por Peu - Pedro Paulo Souza Rios -
mimoso da dinda,
transcrevo o poema:
Chuva no
SertãoChuva,chuva!Boa nova aos povos do
sertãoEvangelho encarnado e experimentado.
A
trovoada chegouA natureza se põe a cantar - e
cantaMelodias do tempo novo.
A pachamama
suspiraO sertão refloresce em espigas de milhoEm flor de
margaridaDe maracujá e de mandacaruSinto no ar o aroma da
novidade.
O jovem que em tempos passados partiu,
retornarenasce a esperançaO sertão se
renova.
Na
esquinaO povo declama a justiçaEncena a
liberdadee no terreiro dança o amor.
Onde
reinava a opressãoAgora reina a organizaçãoAliança dos
pobres criada e recriadaDiariamente em mutirão.