A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DE CONCESSÃO DE 1/3 DE FÉRIAS E GRATIFICAÇÃO NATALINA A PREFEITOS (e demais Agentes Políticos)


* Maraísa Santana e Josemar Santana



Este assunto tem despertado polêmica em todo o país, gerando ações judiciais contra e a favor, aguardando posição definitiva dos nossos tribunais maiores, especialmente, da Maior Corte Judicial do país, o STF-Supremo Tribunal Federal.

Se o assunto não é pacífico nas Cortes Judiciais, o mesmo ocorre nas Cortes de Contas (Tribunais de Contas), porque algumas têm decidido favoravelmente (especialmente quando se trata de decisão monocrática e não colegiada) e outras contra.

Em Minas Gerais, por exemplo, dos mais de 850 municípios, cerca de 200 já instituíram 1/3 de férias e gratificação natalina para agentes políticos, notadamente, para vereadores, estando essas decisões questionadas no âmbito do Poder Judiciário, aguardando julgamento de recursos.

No Rio Grande do Sul, estado em que o TCE-Tribunal de Contas do Estado, responsável também pela análise, opinativo e julgamento de contas municipais, o entendimento desse Tribunal é de que o assunto deve estar respaldado em lei local, desde que obedeça ao princípio da anterioridade, isto é, deve ter aprovação de lei em ano anterior ao da sua entrada em vigor, ou seja, aprova-se este ano para valer a partir do ano que vem.

Há, entretanto, entendimentos de doutrinadores (poucos, registre-se) e de Cortes Judiciais, que defendem a hipótese de validade desses benefícios próprios dos trabalhadores comuns para os agentes políticos, desde que sejam fixados em legislaturas e/ou mandatos anteriores, ou seja, aprova-se no ano da eleição (último ano de mandato), para valer a partir do ano seguinte (início dos novos mandatos).

Para o renomado jurista Márcio Silva Fernandes, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, da Área I (Direito Constitucional, Eleitoral, Municipal, Administrativo, Processo Legislativo e Poder Judiciário), em Nota Técnica denominada ANÁLISE DA LEGALIDADE DO PAGAMENTO DE 13º SALÁRIO E ADICIONAL DE FÉRIAS A AGENTES POLÍTICOS, elaborada em dezembro de 2009, a pedido da Mesa Diretora da Câmara Federal, “o pagamento da gratificação natalina e do adicional de férias aos agentes políticos dependeria de uma alteração prévia da Constituição”.

Todas as propostas apresentadas até agora pelo país afora não encontram respaldo constitucional, razão de estarem pendentes de decisão na Corte Suprema (STF), inclusive o Projeto de Lei 023/2010, de 21 de setembro de 2010, do prefeito de Senhor do Bonfim, para lhe garantir férias remuneradas com adicional de 1/3 e mais gratificação natalina no valor de um subsídio mensal que lhe é pago, também não encontra respaldo constitucional, porque a proposta é de aprovação de uma lei municipal ordinária.

O Consultor Jurídico da Câmara Federal recorre a dois dos maiores juristas administrativistas do país, Celso Antônio Bandeira de Melo e José Afonso da Silva, para mostrar a diferença entre AGENTES POLÍTICOS e AGENTES ADMINISTRATIVOS e, a partir dessas diferenças conceituais, provar a inconstitucionalidade dessas propostas.

Celso Antonio Bandeira de Melo (in Curso de Direito Administrativo, 1998, p.151) define AGENTES POLÍTICOS como sendo aqueles que “desempenham funções de natureza política e não profissional, não possuindo vínculo empregatício ou estatutário com o ente público a que pertencem”, enquadrando-se nessa definição, no âmbito do Poder Executivo, o Presidente da República e vice, Governadores e vices, Prefeitos e vices, além de Ministros de Estado, Secretários de Estado e Municipais e no âmbito do Poder Legislativo, os Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores.

Para Bandeira de Melo, são AGENTES ADMINISTRATIVOS, os servidores públicos, que mantém com o Poder Público e entidades de sua Administração indireta e fundacional “relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual, sob vínculo de dependência” e, em regra, encontram-se organizados em carreiras e estão submetidos a regime jurídico de direito público ou privado.

José Afonso da Silva (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 22ª Ed., p. 658), grande constitucionalista brasileiro e expoente do Direito Administrativo nacional, por sua vez, define AGENTES POLÍTICOS como sendo os “titulares de cargos que compõe a estrutura fundamental do governo” (aqueles que se constituem nos formadores da vontade superior do Poder Público, isto é, representam o Poder, através dos cargos que exercem; são os que mandam, expedem ordens, não têm vínculo empregatício), enquanto os AGENTES ADMINISTRATIVOS são os “titulares de cargo, emprego ou função pública, compreendendo todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, não eventual, sob vínculo de dependência, caracterizando-se, assim, pela profissionalidade e relação de subordinação hierárquica”.

Resumidamente, fica claro que os AGENTES POLÍTICOS não possuem vínculo empregatício e a ocupação de seus cargos é eventual, além de suas remunerações se darem por subsídio, enquanto os AGENTES ADMINISTRATIVOS possuem vínculo empregatício e a ocupação de seus cargos se dá, em geral, por processo seletivo (concurso), de natureza permanente e são remunerados por salários ou vencimentos.

Dizer que a proposta de pagamento de 1/3 de férias e de gratificação natalina (13º salário) a AGENTES POLÍTICOS encontra respaldo na Constituição Federal, citando o seu art. 73, parágrafo 3º, bem como, o art. 39, parágrafos 3º e 4º e, mais ainda, o art. 7º, incisos VIII e XVII, também da Constituição Federal, é acreditar e apostar na ignorância (no desconhecimento) jurídico dos legisladores [no Caso do Projeto de Lei nº 023/2010, do Prefeito de Sr. Do Bonfim, é acreditar e apostar na ignorância (no desconhecimento)jurídico dos vereadores).

Primeiro, porque o art. 73, parágrafo 3º da Constituição Federal refere-se a membros do Tribunal de Contas da União (por conseqüência, dos demais membros de Tribunais de Contas Estaduais e/ou Municipais), que têm direitos iguais aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, como se eles fossem agentes políticos, havendo, é claro, proposital equívoco com o conceito de AGENTES PÚBLICOS, que engloba as categorias de AGENTES POLÍTICOS (sem vínculo empregatício e ocupantes de cargos de natureza eventual) e AGENTES ADMINISTRATIVOS (que possuem vínculo com o ente público a que pertencem e os cargos são de natureza permanente).

Segundo, porque o art. 39 da CF refere-se a “servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”, nas três esferas de poder (federal, estadual e municipal), determinando que sejam instituídos “regime jurídico único e planos de carreira” (o que não é exigido para os AGENTES POLÍTICOS (eleitos pelo povo para ocupação provisória de cargos públicos), enquanto o parágrafo 3º desse artigo determina que se aplica aos “servidores públicos”, os benefícios sociais contidos em diversos incisos do art. 7º, da CF, e que são específicos dos trabalhadores comuns, urbanos e rurais, assim caracterizados por disposição constitucional. Por sua vez, o parágrafo 4º, artigo 39, da CF, estabelece que “O membro de Poder, o detentor de cargo eletivo, os Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados EXCLUSIVAMENTE POR SUBSÍDIOS FIXADOS EM PARCELA ÚNICA, VEDADO O ACRÉSCIMO DE QUALQUER GRATIFICAÇÃO, ADICIONAL, ABONO, VERBA DE REPRESENTAÇÃO OU OUTRA ESPÉCIE REMUNERATÓRIA”(destacamos em maiúsculas).

Percebe-se, aí, que a Constituição deu tratamentos diferenciados ao pagamento de ambas as categorias. Aos servidores públicos AGENTES ADMINISTRATIVOS – art. 39, parágrafo 3º), EXPRESSAMENTE CONCEDEU O DIREITO AO 13º SALÁRIO E AO ADICIONAL DE FÉRIAS, CONSTANTES NO ART. 7.º (“são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais”, inciso VIII (“décimo terceiro salário”) e inciso XVII (“gozo de férias anuais remuneradas, com pelo menos, um terço a mais do que o SALÁRIO normal”), da Constituição Federal.

AOS AGENTES POLÍTICOS (ocupantes de Cargos eletivos ou nomeados para Ministros de Estado, Secretários de Estado e Secretários Municipais, sem vínculo empregatício e de natureza eventual, não permanente – art., 39, parágrafo 4º, da C.F.), a Constituição determina que a remuneração seja paga por SUBSÍDIO (diferente de salário), EM PARCELA ÚNICA, VEDADO O RECEBIMENTO DE QUALQUER GRATIFICAÇÃO, ADICIONAL, ABONO, PRÊMIO, VERBA DE REPRESENTAÇÃO OU OUTRA ESPÉCIE REMUNERATÓRIA.

Observe-se, que TAL VEDAÇÃO IMPEDE O PAGAMENTO DA GRATIFICAÇÃO NATALINA E DO ADICIONAL DE FÉRIAS AOS AGENTES POLÍTICOS, pois eventual pagamento, não excepcionado pela Constituição Federal, constitui “burla à norma que determina a parcela única”, como explica o jurisconsulto Márcio Silva Fernandes, porque, FIXAR OUTRA PARCELA, HAVERÁ, DE QUALQUER FORMA, O PAGAMENTO DE MAIS DE UMA PARCELA, VIOLANDO A DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA.

As decisões jurisprudenciais (decisões repetidas dos Tribunais) são fartas nesse sentido, valendo destacar as seguintes: 1) STJ, 5ª Turma, Recurso em Mandado de Segurança, 15.476/BA, julgado IMPROCEDENTE, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, JULG. 16/3/2004; 2) TJ/RS Tribunal Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70027922087, Rel. Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, julgada PROCEDENTE em 16.03.2009; 3)TJ/GO, Tribunal Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 385-9/2009, Julgado PROCEDENTE, Rel. Des. LEOBINO VALENTE CHAVES, julg. 26/11/1008; 4) TJ/SP, 7ª Câmara de Direito Público, AÇÃO POPULAR – Apelação com Revisão nº 6604005800, Julgada IMPROCEDENTE, Rel. Des. WALTER SWENSSON, julg. 08/09/2008; 5) TJ/MG, Proc. 1.0701.08.237144-7/001, Recurso julgado IMPROCEDENTE, Rel. Des. CARREIRA MACHADO, julg. 10/02/2009.

Conclui-se, portanto, que a diferença entre AGENTE POLÍTICO (detentor de cargo sem vínculo empregatício e de natureza eventual) e AGENTE ADMINISTRATIVO (servidor público, com vínculo empregatício e de natureza permanente)é compatível com a interpretação sistemática da Constituição, “na medida em que os institutos FÉRIAS e DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO não se coadunam com o desempenho das funções atribuídas aos AGENTES POLÍTICOS”, destaca o jurista Márcio Silva Fernandes. (destacamos em maiúsculas).

Por todas essas razões, o pagamento de GRATIFICAÇÃO NATALINA (13º salário) e do adicional de férias (1/3 do salário) aos AGENTES POLÍTICOS (prefeitos, vereadores, etc) depende de alteração na Constituição Federal, sendo INCONSTITUCIONAIS as propostas já aprovadas ou em tramitação.


* Josemar Santana e Maraísa Santana são advogados especializados em Direito Público
Postagem Anterior Próxima Postagem

PUBLICIDADE