CASO BRUNO:ACUSADO DE HOMICÍDIO PODE SER CONDENADO SEM QUE SE ENCONTRE O CORPO DA VÍTIMA?


imagem google


Em regra, isto é, normalmente, a comprovação da morte da vítima exige prova direta. Na ocorrência de homicídio, tentado ou consumado, a materialidade (existência do corpo de delito) e a autoria (o conhecimento de quem praticou o delito) são indispensáveis para se atribuir a alguém o crime de homicídio. Se JOÃO é acusado de ter matado MARIA, tem que aparecer o corpo de MARIA e tem que aparecer provas de que JOÃO tenha sido o autor de sua morte.

Em regra é assim. Excepcionalmente, não. Para compreendermos melhor essa situação vamos raciocinar sobre um caso concreto e escolhemos o mais recente, o Caso Eliza Samúdio (do goleiro Bruno, do Flamengo), como exemplo para facilitar a nossa compreensão.

Já dissemos no início deste artigo que, em regra, não é possível atribuir a alguém o crime de homicídio (tentado ou consumado) sem que haja o corpo da vítima. Em regra, isto é, normalmente. Excepcionalmente, sim, tudo isso é possível, “desde que as provas indiretas (testemunhais) sobre a morte da vítima (sobre o corpo de delito ausente), somadas eventualmente com as provas indiciárias, forem indiscutivelmente convincentes”, como explica o renomado criminalista Luiz Flávio Gomes, em artigo escrito para o Jornal Carta Forense, edição do mês de agosto passado (Existe Homicídio sem o Corpo da Vítima?).

Recorrendo ao nosso Código de Processo Penal, vamos encontrar no art. 167 o dispositivo que admite a prova indireta (testemunhal) quando o corpo da vítima desaparece. Essa regra processual existe para que se evite a impunidade. Se essa regra não existisse bastaria matar a vítima e fazer desaparecer o seu corpo, para se garantir a impunidade. Também há outros meios de provas que podem ser colhidos para reforçar a prova indireta, ou testemunhal, a exemplo de vestígios de sangue, fios de cabelo da vítima etc., que a lei não prevê, mas que são elementos de provas coadjuvantes da prova indireta ou testemunhal, aceitas pacificamente pela doutrina (autores de obras jurídicas) e prevalentes na jurisprudência (decisões reiteradas dos tribunais).

A grande questão, que se constitui em verdadeiro dilema é o seguinte: Se o desaparecimento do corpo da vítima nunca permitisse condenação, estaria garantida a impunidade pela ocultação do cadáver (Exemplo: Caso Dana de Teffé, em que o suspeito foi absolvido por ausência do corpo da vítima). Mas condenar sem o corpo da vítima pode levar a mais um grave erro judicial (Exemplo: Caso dos irmãos Naves: o corpo da suposta vítima nunca apareceu e quando isso ocorreu, 17 anos depois da condenação dos acusados, a suposta vítima apareceu vivinha e cheia de saúde).

Portanto, todo o cuidado é necessário, porque os extremos devem ser evitados: não é justa a impunidade e muito menos é justo o erro judicial. Como é possível evitar a ocorrência desses extremos? Colhendo muitas provas técnicas, o que é tarefa para a polícia científica (e que no Brasil está sucateada).

No caso Bruno, sabemos que já existem provas testemunhais, embora dúbias e que os indícios de terem sido os suspeitos apontados inicialmente como autores são suficientes para o indiciamento feito pela polícia. E mais: os indícios colhidos pela polícia foram suficientes para o oferecimento da denúncia dos suspeitos passarem à condição de acusados, pelo Ministério Público (Promotoria de Justiça), o que foi aceito pela Justiça. No entanto, ainda assim, os acusados têm a seu favor o princípio constitucional da presunção de inocência, porque ninguém poderá ser considerado culpado, senão em virtude de sentença transitada em julgado (art. 5º, Inciso LVII, da CF).

Até agora, mesmo protegidos sob o princípio da presunção de inocência, os acusados já foram indiciados (apontados) pela polícia como suspeitos, denunciados pelo Ministério Público como incursos nas penas de seqüestro e homicídio e podem ser pronunciados pelo juiz (levados a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri), porque, para que tudo isso ocorra, bastam indícios que coloquem em dúvida a inocência dos suspeitos. Aí prevalece a máxima jurídica expressa em latim, qual seja: “IN DÚBIO PRO SICIETÁ”, que significa: “NA DÚVIDA, DECIDA-SE EM FAVOR DA SOCIEDADE”. Essa regra somente poderá ser mudada por ocasião do julgamento dos acusados, porque, persistindo dúvidas, não se pode condenar ninguém, prevalecendo outra máxima jurídica, também expressa em latim, qual seja: “IN DÚBIO PRO REO”, que significa: “NA DÚVIDA, DECIDA-SE EM FAVOR DO RÉU”.

No caso Bruno, se não aparecer o corpo de Eliza Samúdio, tudo continuará na dependência da reunião de provas científicas que possam auxiliar as provas testemunhais, formando um conjunto probatório capaz de convencer os jurados de que os acusados são verdadeiramente os autores do crime, repita-se, mesmo sem o aparecimento do corpo da vítima.

Nesse momento de apuração processual do caso, o que menos interessa são “as declarações espalhafatosas, os grotescos espetáculos midiáticos e o que mais interessa é o trabalho eficiente da polícia científica”, como observa Luiz Flávio Gomes (artigo referido), porque esse é o caminho do justo e do razoável. Fora disso, alerta o renomado jurista, “só vamos ver mais exploração da paixão popularesca vingativa, da qual a mídia, em geral, entende bastante”.

* Josemar Santana é jornalista e advogado .
Postagem Anterior Próxima Postagem

PUBLICIDADE